Natália Di Pace, Fulfillment Operations Manager no Mercado Livre, líder de 450 pessoas e com uma década de experiência em logística nas costas, não deixa sua posição como gerente afastá-la do chão de fábrica. Ela deixa bem claro: o time na operação é o que faz a roda girar, e isso é a “logística raiz” que sustenta toda a estrutura de um e-commerce, inclusive um tão grande quanto o ML.
Mentora da Imersão Logística, Natália tem muita história para contar, do que já deu certo, do que já deu errado e de como ela lidou com diversas situações intensas. Mas nem tudo são flores — ela também precisou enfrentar discriminação e se provar como a excelente profissional que é até chegar onde está.
Paraibana de Campina Grande, mas morando em Salvador há 8 anos, Natália (ou apenas Nat) se considera “metida a atleta” e treina corrida todos os dias às 5h. Cuida da saúde mental, não dispensa uma cervejinha e ama estar com gente.
Conheça essa líder carismática e entenda como ela trabalha na logística exemplar do Mercado Livre.
EC: Vamos lá: o que é logística raiz e o que é inovador para você?
NDP: A gente brinca de “logística raiz” sobre a logística operacional mesmo, colocar a mão no pacote. Eu não fico dentro de uma sala enquanto tenho mais de 450 pessoas trabalhando no meu time lá embaixo, carregando caminhão, embalando pacote. Não, tem que ser um gerente raiz que faça a coisa acontecer.
Muita gente está acostumada a pensar que inovação é ter um robô, e ainda falta um mundo antes de ter um robô. Eu sempre digo, vamos fazer o básico bem feito? Às vezes inovação é você conseguir diminuir duas etiquetas de expedição pra uma.
EC: Você pode dar um exemplo de algo da operação que foi uma inovação?
NDP: Isso das etiquetas, rolou com o time do Mercado Livre e foi tipo “nossa, era isso que a gente precisava”. Porque quando tinha duas etiquetas, eram diferentes informações obrigatórias em cada. Quando você consegue juntar tudo em uma etiqueta só, você reduz o custo e melhora a produtividade da pessoa que tem que imprimir e colocar no pacote. Imagina isso em escala, três mil funcionários.
Também temos o Genba, muito utilizado na indústria, que pra mim é a melhor ferramenta de inovação. Nada mais é do que dar uma caminhada na operação, em todas as áreas, junto com representantes da área, e ele trazer pra gente o que tá ruim e o que devia melhorar. Sendo que começa a mudança daí, porque ele não só reclama, ele já traz a ideia. E é referenciado quando a ideia acontece.
EC: Como é liderar uma equipe e propor que tudo pode ser melhorado? É difícil encontrar um perfil de pessoas abertas a serem desafiadas o tempo todo.
NDP: É uma questão de cultura. Se você é um líder que tem esse mindset de crescimento, você vai ter no mínimo a habilidade de inspirar. Além disso, quando digo que uma equipe pode melhorar tudo, eu não digo de uma sala, falando “melhora esse processo aí e me entrega amanhã o projeto”. Eu vou junto com ele, faço o processo com ele. E falar dessa cultura de crescimento é falar de treinamento, até de soft skills também.
EC: Como mentora na Imersão, você vai lidar com pessoas de culturas diferentes, variadas. Qual é o seu desafio em lidar com isso?
NDP: Tá sendo uma riqueza de trocas. O que amo é isso mesmo, quando entrei na logística de e-commerce, eu queria cursos, eu queria ter pessoas que eu pudesse falar e me ajudassem. Então quando apareceu o convite para ser mentora eu pensei “cara, como alguém diz não pra isso?”, se eu sei que tem uma gama gigante de profissionais entrando nesse mercado, e só vai crescer.
Amo quando falamos de várias regiões do Brasil. Eu sou paraibana, de Campina Grande mas moro em Salvador. Tô aqui, a base da Imersão é em São Paulo, sabemos que tem um mix diferente de empresas, mas justamente ter pessoas de vários locais torna essa cultura rica e vemos os desafios do Brasil como um todo.
“Quando entrei na logística de e-commerce, eu queria cursos, eu queria ter pessoas que eu pudesse falar e me ajudassem. Então quando apareceu o convite para ser mentora eu pensei “cara, como alguém diz não pra isso?”.
EC: Você é uma mulher nordestina em um ambiente bem masculino. Como é isso para você?
NDP: Minha primeira gerência foi com 21 anos, hoje tenho 32. Na época, eu tinha feito um trainee que eram 50 aprovados de 14 mil inscritos e só tinha 3 pessoas do nordeste. Então quando comecei minha carreira, pessoal já falava “você tem sotaque né, tem que ver isso aí, vai ser complicado”. E eu olhava com cara de paisagem, amo sotaques. Mas já ficava encucada, e o pessoal falava “ah, é porque tem que ver onde você vai morar”…
Aí, na primeira gerência, o primeiro feedback que eu recebi do meu líder era que eu trabalhava muito bem, mas que eu precisava ir atrás de tratamento pro meu sotaque.
EC: Tratamento?
NDP: Exato. Porque “com meu sotaque eu não iria crescer”. Nossa, eu chorei feito uma criança. Segurei lá, mas cheguei em casa e chorei.
Obviamente, não mudei meu sotaque. Essa mesma pessoa em menos de um ano me promoveu, e eu segurei o que eu era. Escutei inclusive de clientes de empresas que eu trabalhei, que me chamaram para atendê-los, e quando eu comecei a falar disseram “você não vai saber me atender. O pessoal daí nunca sabe”.
Aí tinha que colocar o orgulho lá embaixo e falar “claro que consigo, vamos lá”, porque não seria entrando em embate com essas pessoas que tudo iria melhorar. Passei a receber mensagens de muitas pessoas querendo saber como fazer isso e não ter medo…
EC: Uma mulher de 30 anos acredito que aprendeu a fazer isso, mas uma menina de 21…
NDP: Chorei horrores. Resiliência é sobre isso, você cai mas você levanta. Graças a Deus vim de uma família muito forte e muito unida. E acredito muito na força do dia a dia, cada dia melhor que ontem. Essas coisas acontecem pra provar que tudo passa na vida.
Quando falamos sobre mulheres, existe um projeto aqui na Bahia que é o Melinas. É para impulsionar mulheres na logística. Acredito que quanto mais uma ajudar a outra, mais teremos mulheres na logística. É uma mentoria para meninas que querem criar carreira na área, então é muito “sou mulher, estou nessa cadeira hoje, posso não estar amanhã, mas enquanto eu estiver eu preciso ajudar mais pessoas a alcançarem seus sonhos”.
Por exemplo, operadores de máquinas em muitas empresas só são homens. Mas não existe nada proibindo. Precisa ter uma carteira de habilitação e fazer o curso. No meu time, eu tenho muita mulher operadora de máquina e é absolutamente normal, não era nem pra eu falar sobre isso, mas algumas pessoas ainda estranham.
EC: Para fechar de forma mais pessoal, conta mais sobre você, como você cuida da mente e do corpo…
NDP: Sou Natália, mas pode me chamar de Nat, comigo não tem besteira, como a gente fala aqui no nordeste. Sou de Campina Grande, da Paraíba, minha família inteira mora lá ainda. Estou morando em Salvador, graças a Deus, eu amo esse calor, praia, gente, amo estar aqui. Tô aqui por conta do meu trabalho, desde meus 14 anos eu trabalho.
Sou metida a atleta, ou tentativas de atleta. Gosto muito de correr, faço corrida de rua. Treino todo dia, 5:30 da manhã, é meu start do dia. Digo que pra ser líder eu primeiro preciso cuidar de mim pra poder cuidar do meu time. Não faz sentido nenhum não cuidar da saúde física ou saúde mental. Acredito que minha força é cuidar de mim pra poder cuidar de outras pessoas.
Quando a gente fala em saúde mental, eu faço terapia e influencio todo mundo a fazer. Terapia é vida. Autoconhecimento, saber qual seu perfil, quais seus talentos… é uma grande paixão. Cuidar de si para cuidar dos outros é uma grande filosofia que sigo.
E amo cervejinha, amo estar com gente. Já tentei não ser líder, mas é complicado pra mim, eu gosto mesmo de estar com gente e comemorar essa vida que é boa demais.
EC: Você tem algo mais a adicionar?
NDP: Sobre a logística de e-commerce, eu gosto muito de falar que estamos no início e não tem receita pra tudo. Ou seja, é sobre o quanto nós que trabalhamos com logística precisamos pensar fora da caixa. pensar todo dia em soluções. Porque quando cada um começar de fato a solucionar todas as dores, vamos começar a entregar logística de e-commerce com excelência. A gente vai lembrar que nossa logística atual é a que tá entregando um sonho na casa de alguém.
A gente tem o mundo pra ganhar. Não existe receita pronta, mas se cada um agir procurando essas receitas e compartilhando, teremos uma logística de e-commerce gigantesca.
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