Quando lançou o livro ‘O que a escola não nos ensina’ – o primeiro e um dos mais emblemáticos das sete obras que assina –, João Cristofolini, com apenas 25 anos à época, questionava profundamente o formato tradicional de aprendizado. “Sempre acreditei em um modelo de educação baseado em aprender com quem de fato faz as coisas na prática e não na teoria. Também já entendia desde muito cedo que não dá pra dividir o pessoal do profissional, está tudo dentro do mesmo compartimento. Então, tenho que cuidar da mente e do corpo para poder trabalhar em alta performance. E isso deveria fazer parte da educação”.
Passados 7 anos desde o lançamento da obra, como se sabe, a educação no Brasil não mudou. Mas, por sua vez, João comprovou a tese de forma contundente: cofundou, escalou e vendeu a startup de pontos de retirada Pegaki para a Intelipost, em 2021; participou de uma bem sucedida jornada à frente do ResumoCast, atualmente um dos principais podcasts de resumo de livros do País; e assumiu uma série de investimentos de impacto, entre eles, a plataforma Vegan Business.
E como desafio pouco é bobagem, agora, aos 32 anos, em uma dessas ironias da vida, Cristofolini cofundou – ao lado de Luiz Augusto Vergueiro e Patrick Rocha – o ImLog, um ecossistema de logística baseado em educação, já que tem como core business cursos e mentorias em logística. Nesta entrevista, falamos sobre empreendedorismo, livros, yoga, estilo de vida vegano e, claro, logística e os planos para o ImLog. Confira!
Cada vez mais necessário
EC: Você fala bastante sobre inteligência emocional, autoconhecimento e saúde mental. Qual a importância disso na sua vida e o que isso tem a ver com seus negócios?
JC: Tem tudo a ver. Não tem nem como separar as duas coisas, porque é uma coisa só, a gente é uma única pessoa, não dá pra dividir o pessoal do profissional, e nem o emocional de um lado, enfim, está tudo dentro do mesmo compartimento. Eu acho que vai ser cada vez mais necessário buscarmos alternativas nesse sentido.
A gente brinca que logística não é sobre pacotes, é sobre pessoas. No final das contas, todo negócio é feito por pessoas. Havia alguns tabus nesse sentido há algum tempo, mas hoje é nítido que isso reflete total na performance do business, da liderança, da gestão, não tem como dividir uma pessoa que não tá bem mentalmente, emocionalmente, na sua saúde, na sua espiritualidade, na sua família, ela não vai performar, não vai conseguir inovar. Se isso é nítido, e se as coisas só tendem a piorar do lado de fora – porque a história mostra que o mundo só tende a ficar mais complexo –, se a gente não buscar soluções para aprender a lidar com esse cenário, aprender a lidar com a mente, com as emoções, com tudo isso do lado de dentro, não tem como performar, como ter esse equilíbrio.
Falando do mercado de educação, por mais que o foco aparente seja conteúdo e informação, é necessário esclarecer que qualificação e conhecimento não significam acúmulo de informação, não é isso que vai fazer alguém ter mais ou menos sucesso. No final das contas, é o lado comportamental, atitude mental, atitude emocional como líder, com as situações que vão pesar. Não por acaso, temos um módulo dentro da imersão em que falamos sobre gestão de pessoas e da felicidade. E isso tem tudo a ver com logística.
Além da yoga, você faz mais algum exercício? Como é sua rotina? Eu sei que às vezes você vai em retiros espirituais, também. Fala um pouco disso, o que o João faz para manter a serenidade?
Não dá pra não se mexer e querer competir num mercado de alta performance se você não tiver um corpo com alta performance. Então, fazer atividade física é básico, seja academia, corrida, bike, natação, enfim, é esporte. Tem que ter 30 minutos, 40 minutos, 1 hora por dia pra fazer algum tipo de esporte, algum tipo de atividade física, mexer o corpo. Óbvio que isso ajuda a mente também,
Também sou adepto a práticas mentais, especialmente o yoga – que muita gente conhece apenas pelas posturas físicas, os movimentos, os alongamentos. Mas ele é muito mais que isso, é uma filosofia de vida. Existem conteúdos milenares sobre todos os assuntos que a gente pode imaginar no que se refere à inteligência emocional. A yoga física é a pontinha do iceberg. Tem exercícios de respiração, são chamados Pranayama, que são extremamente importantes para o nosso equilíbrio. Respiração é algo que controla a tua mente, se você está muito agitado, a sua respiração vai estar mais ofegante; se você está mais calmo, a sua respiração vai estar mais profunda. E você pode controlar isso, pode aprender.
Tem uma frase que eu vi que é muito legal: “A gente toma banho todo dia para limpar o corpo, mas como a gente faz para limpar a mente?” Não tem como você limpar a mente passando um pano, a única forma de limpar a mente é usando práticas como essas. Sejam mantras – que são algumas afirmações, que eu faço diariamente – seja respirando, ou seja simplesmente meditando, que é literalmente ficar em silêncio. Esses são exercícios para limpar a mente, então eu limpo o corpo e eu limpo a mente também, todo dia.
Tem uma pessoa que eu acompanho que fala que o yoga é o shampoo da mente. Se você fica um dia sem passar o shampoo, que é praticar esses exercícios, você vai ficar com a sua mente poluída, agitada, e naturalmente, isso vai refletir no seu dia. Quando você começa a entrar nesse mundo, tudo está conectado. Você muda seu estilo de vida, você passa a dormir mais cedo, a acordar mais cedo, passa a se alimentar melhor, a comer comida de verdade, e isso reflete nas tuas atitudes mentais e na sua performance. Então, acho que é um contexto de coisas que se ligam, uma soma de fatores para te preparar pro campo de batalha, te preparar para a guerra que é o mundo do dia a dia, que é o trabalho. Como alguém querer ir para as Olimpíadas, querer ir pra Copa do Mundo, sem treinar? Não dá para ir diretamente para o jogo, para o campeonato.
A gente brinca que logística não é sobre pacotes, é sobre pessoas. No final das contas, todo negócio é feito por pessoas.
E, como todo empreendedor, sempre encontrando problemas que podem ser resolvidos. A Pegaki surgiu assim: um problema que encontramos. Entrega é um desafio e a rede de pontos de retirada, uma solução eficiente.
O ImLog também vem nessa esteira: o mercado de educação em logística está defasado, super oldschool, e nossa proposta é preencher este gap com conteúdos práticos, reais, conduzidos por pessoas que são cases no seu mercado. Falamos sobre atividades do dia a dia e de tendências em uma dinâmica de networking. Não tem problemas, personagens e modelo acadêmico, é tudo baseado no real. Acho que a melhor forma de explicar é comparar as duas abordagens.
No modelo de educação tradicional, por exemplo, na faculdade, um indivíduo vai passar cinco anos numa sala de aula, gastar possivelmente dezenas de milhares de reais, para aprender com pessoas que não fizeram aquilo na prática, apenas estudaram teorias que, inclusive, talvez estejam ultrapassadas.
Com o ImLog a gente tem o oposto disso: são imersões super curtas, de um final de semana, ou curso online, bastante rápido. Além disso, os professores são pessoas que têm cases super relevantes, desde empreendedores de outras logtechs, executivos das maiores empresas de logística, de e-commerce, de varejo, de transportadora. As pessoas não têm mais tempo para perder e a informação muda muito rapidamente, a todo momento. Então, o modelo educacional precisa estar alinhado às necessidades reais.
O dia a dia é diferente
Uma das percepções que eu tive ao participar da Imersão é que havia pessoas encontrando dores em uma logística muito rústica: retenção de motorista, gestão de frota, dores que estão para além da inovação. Às vezes eles têm que, de alguma forma, inovar em coisas que estão uns passos para trás. Quão difícil é inovar nas coisas mais simples?
Muitas das empresas que vão para a imersão surgiram há décadas. Portanto, é natural que uma das grandes dores seja a atualização para a nova economia, a transformação digital inerente aos novos tempos e às novas práticas e possibilidades que abrem a partir daí. Tudo está mudando, essas empresas sabem disso e estão tentando entender como podem se adaptar em todos os sentidos.
Esse conceito de adaptação deve ser expandido para além de criar ou inventar coisas novas: falo aqui sobre se adaptar em termos de gestão de pessoas, de cultura, em termos de práticas a partir da tecnologia e do mindset tecnológico. Não é apenas sobre um grupo de colaboradores aprenderem a mexer em uma nova máquina, mas de pensar o trabalho a partir das novas possibilidades. De novo, porque é um mercado muito tradicional, que talvez agora tem que se reinventar.
Mas, o ponto mais específico é, onde que a gente consegue ajudar, diferente de uma sala de aula tradicional, diferente de um evento tradicional?
Imagine você em uma palestra ou em uma aula para 100 pessoas. O modelo é sempre o mesmo: alguém vai lá na frente dar uma aula e o aluno fica ouvindo, de forma passiva. É claro que a gente tem aula também, para esses temas mais macros e genéricos, mas eu acho que o ponto principal é cada aluno poder ter uma educação muito customizada por meio das mentorias. Com a gente, todos têm a oportunidade de sentar com mentores, e o perfil deles é bem diverso.
Temos fundadores de logtechs, como eu, Patrick, o Caio (da RoutEasy) , o Fernando Sartori (da Uello), entre outros. Mas temos também mentores e professores de grandes empresas, grandes corporações, desde DHL, Allog, a Via (Varejo), o próprio Mercado Livre. São pessoas de mundos diferentes e os alunos têm a oportunidade de compartilhar suas dores com cada um desses mentores, e aí, sim, podem trazer as suas dores mais pontuais e específicas para o olhar de um cara peso pesado.
Outro ponto que merece muito destaque no modelo de imersão é a possibilidade de networking que acontece nos corredores, nos intervalos e no happy hour. Além da troca com os mentores, a troca entre os alunos é absolutamente rica. Porque, quando nós temos 30 executivos, C-levels, de indústrias e áreas diferentes, mas com o mesmo objetivo, a possibilidade de encontrar soluções e criar novos negócios é muito grande. Todo evento acontece e não raro os melhores negócios acontecem nos intervalos.
Sobre a necessidade de se ter Inteligência emocional
A segunda percepção que eu tive foi a presença de muita gente de vários segmentos. Por que você acha que estas pessoas estão sendo atraídas?O que está acontecendo que a logística se tornou uma preocupação de vários segmentos?
Tem alguns pontos. O primeiro é que a logística deixou de ser custo e virou algo super estratégico nos últimos anos. Na pandemia, o crescimento superacelerado de empresas como Mercado Livre, Amazon, Magalu, por exemplo, chamou muito a atenção. E a logística foi peça fundamental na transformação dessas empresas de varejo em cases notórios de inovação.
Obviamente, tem muita gente que quer aprender o que o Mercado Livre está fazendo e tentar adaptar alguma prática ou processo no seu negócio. O ponto central é o seguinte: se o Mercado Livre consegue entregar algo em horas, minutos ou em pouco tempo, como eu posso trazer uma cultura de agilidade e de inovação para dentro da minha empresa? Na maioria dos casos, o resultado é a logística eficiente, mas tem toda uma estrutura e cultura por trás que viabiliza essa entrega rápida. Muitas vezes, isso pode começar até na maneira de pensar.
Outro ponto importante é que tem muita empresa que começou a entrar nesse mundo que nós não imaginávamos. A gente teve na última turma também alunos de algumas fintechs e grandes bancos, já passaram com a gente criando e-commerce, criando seus próprios marketplaces e buscando aprender sobre logística para poder plugar isso no seus negócios.
Além disso, temos ainda gente de todo o ecossistema, não só o cara que faz a logística, mas o que fornece algum tipo de serviço ou solução para essas empresas. Então, as pessoas vão para se conectar com os alunos, com os mentores, porque pode, de alguma forma, além de aprender, fazer networking. Afinal, todo mundo quer fazer negócio com o Mercado Livre, com a Magalu, com a Via Varejo, indiferente se a pessoa é de logística ou não, tem um ecossistema enorme de soluções que podem ser plugadas ou utilizadas.
Você é autor de vários livros, alguns questionando o método educacional e propondo um novo modelo de educação. O ResumoCast também é uma forma de educar, podemos dizer assim. Depois você foi empreender em logística e agora está juntando as duas coisas. Brincando com um dos seus títulos, “O que a escola não nos ensina”: o que o ImLog ensina que a escola não ensina?
JC: Essa provocação de modelos alternativos da educação surgiu já há bastante tempo, pelo meu próprio perfil. Acabei desde muito cedo sendo bastante autodidata, estudando com pessoas que tiveram cases de sucesso, através de livros e outros caminhos, e não no caminho tradicional. Tanto que acabei saindo da faculdade para focar nos negócios e sempre defendi muito esse modelo de educação autodidata, que é aprender com quem de fato fez na prática e não na teoria.
Foi por isso que surgiu meu livro, há uns 8 anos “O que a escola não nos ensina”, justamente com essa provocação, que é não depender do modelo de educação tradicional, — não importa a área —, geralmente feito por pessoas bastante acadêmicas, teóricas e que não reflete na prática.
Eu cito ali 7 habilidades que não aprendemos na escola, desde não aprender a vender, não aprender sobre liderança, empreendedorismo, educação financeira, não aprender a utilizar sua mente, enfim, várias habilidades que não se aprende no formato de educação tradicional. Esse livro, especificamente, foi meu primeiro e acabou abrindo espaço para que eu pudesse trabalhar de alguma forma esse modelo de educação autodidata. Curiosamente, fui convidado para fazer várias palestras, inclusive em ambientes tradicionais, como universidades e empresas, para falar sobre o modelo de educação.
Já o ResumoCast também foi um modelo de educação autodidata. Muita gente aprendeu através do resumo de centenas de livros, através do podcast. De certa forma, acredito que todos os livros são um caminho de educação autodidata e o ResumoCast é um meio que potencializa acesso aos livros.
O mercado de logística vai continuar crescendo, talvez com desafios naturais do momento, mas a demanda por pessoas, por mão de obra, por inovação, não termina, muito pelo contrário, cresce.
O que vem aí...
Qual seu balanço deste primeiro ciclo do ImLog e como você vê este ano de 2023?
Eu acho que a ImLog nasceu sem uma pretensão tão grande de se tornar algo que hoje nós imaginamos. Ela nasceu simplesmente para ser um curso de um final de semana, ser um MVP. A gente fez a nossa primeira turma ali, num final de semana, entre abril e maio. E a primeira turma foi um sucesso muito grande, em termos de feedback, de receptividade. Logo na sequência, fechamos a segunda, a terceira, a quarta e começamos a entender que havia um gargalo relevante, e, por consequência, uma oportunidade ainda maior. E nós tínhamos um time relevante para aproveitar essa oportunidade.
Neste contexto, olhando para o cenário macro, nós continuamos atravessando um momento super difícil, desafio de economia e tudo mais, mas a educação é sempre uma necessidade e geralmente ganha força nesses momentos. Isso é histórico, basta olhar os índices de crescimento das empresas de educação com capital aberto. Descendo um pouco mais esse funil, entendo que o mercado de logística vai continuar crescendo, talvez com desafios naturais do momento, mas a demanda por pessoas, por mão de obra, por inovação, por pensamento diferente, não termina, muito pelo contrário, acho que ela cresce ainda mais.
E para atender essa demanda, que entendemos que só vai crescer, montamos um time muito forte e diversificado dentro da ImLog – tanto de mentores, de parceiros e de funcionários – e isso nos dá a possibilidade de estabelecer metas mais agressivas. Nós começamos muito focados nessa turma mais leve ou mais estratégica, e agora nosso objetivo é descer esse funil, poder atender e ajudar não só o C-level, mas ajudar gestores, coordenadores, analistas, no formato presencial, no formato online, inclusive com outros produtos no nosso roadmap.
Dando alguns spoilers: desde ajudar no recrutamento dessas pessoas – o que passa por educar, qualificar e conectá-las às empresas que precisam de mão de obra ou pessoas que precisam de empresas – conteúdo, portal de notícias e outros produtos que se referem à educação. De novo, acho que no momento difícil, a educação se torna ainda mais necessária. E na logística essa tendência é ainda mais forte, quem não se atualizar, vai ficar para trás.