Perfil completo Ana Blanco, vice-presidente da DHL Supply Chain Brasil e mentora da Imlog

Em um bate-papo fluido e rico, Ana Blanco, vice-presidente da DHL Supply Chain Brasil e mentora da ImLog, dividiu seu conhecimento acumulado em mais de 25 anos de experiência. A leitura é imperdível!

Menos na intuição e mais com base em dados

Vice-presidente da DHL Supply Chain – uma das maiores empresas de logística do mundo – Ana Blanco tem uma visão muito particular sobre vários assuntos discutidos calorosamente no momento. 

Quando o assunto é Data Analytics e Inteligência Artificial, Blanco entende que  a capacidade humana de analisar dados é muito limitada. “No momento que eu trago a IA para a mesa, essa capacidade analítica é aumentada exponencialmente. Quando falamos de decisões baseadas em dados, no fundo estamos dizendo: ‘como eu trago mais modelos estatísticos para olhar os cenários, entender as probabilidades e fazer projeções que me ajudem a caminhar?’. Menos no gut feeling (intuição) e mais com base em dados”, pontua.

A perspectiva otimista, no entanto, não anula os possíveis ônus da tecnologia. “Precisamos das pessoas experientes para treinar a inteligência artificial, o que vai facilitar a operação do profissional júnior, que vai obtendo as respostas através de um modelo e não por meio de experiências vividas. Mas quem senioriza essa pessoa? Como tornar experiente alguém que não viveu a experiência?”, indaga. 

Sobre a presença feminina no setor, pontua que os gestores não podem colocar a mulher em uma situação difícil e pedir para escolherem entre a vida pessoal e a profissional. “A pergunta tem que ser: como posso te ajudar a fazer com que isso funcione para você? Não raro, as pessoas voltam com sugestões simples de serem ajustadas. Mas a mulher também tem que levantar a mão e pedir ajuda, as políticas internas nunca vão conseguir cobrir todas as necessidades. Eu já tive que fazer viagem de trabalho e ainda estava amamentando, levei minha filha junto. Até a agenda de reuniões mudou”, relembra.

Em um bate-papo fluido e rico, a engenheira, conselheira, investidora-anjo, mestre em Gerenciamento de Tecnologia pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e mentora da ImLog dividiu seu conhecimento acumulado em mais de 25 anos de experiência. A leitura é imperdível!
Ana Blanco DHL ImLog

Estudar e... estudar

EC: Como você decidiu participar da ImLog?

AB: A educação sempre foi um tema importante para mim. Um exemplo disso é que, há cinco anos, já executiva de multinacional, decidi parar minha carreira para tirar um ano sabático só para estudar. Senti que tinha muita coisa para me atualizar e se eu não me dedicasse 100% a isso eu não conseguiria obter conhecimento que estava buscando. 

Eu entendo que a gente tem um gap histórico na maneira como formamos os profissionais de logística. Não temos cursos que são super focados nessa formação, conta-se muito com as empresas e o trabalho do dia a dia.

Então, lá no começo, quando a ImLog ainda era só um projeto no papel, o Vergueiro me chamou e perguntou se eu toparia. Eu falei: “pode contar comigo!”. Porque são duas coisas que eu gosto: poder passar um pouco da minha experiência de vinte e tantos anos de supply chain, e de juntar isso com um projeto de educação. Este é um projeto que me pegou pelo coração.


EC: Como foi seu ano sabático?

AB: Eu fiz um mestrado, um Master of Science em Gerenciamento de Tecnologia no MIT, nos Estados Unidos. Fui em 2017 e voltei em 2018, na verdade, foi um pouco mais de um ano. Eu fui para lá com a cabeça de conhecer novas tecnologias e entender seu impacto no supply chain. Também queria polir conhecimentos de finanças e estratégia, porque eu já pensava em deixar de ser uma pessoa só de supply chain para ficar à frente dos negócios — o que realmente aconteceu.

Mas, eu entendia que tinha muita coisa, do ponto de vista de tecnologia, que estava acontecendo, e que uma pessoa que nasceu em um mundo analógico como eu, precisava dar um salto de conhecimento e abrir a cabeça de uma outra forma. 

Me apliquei para esse programa do MIT, fui aceita e foquei esse tempo em entender o ambiente de startups, novas tecnologias e como isso ia afetar em especial a área de supply chain, que era meu foco. A minha tese no MIT foi sobre inteligência artificial aplicada ao supply chain, mas também fiz uma trilha para ter um certificado em Data Analytics. 

Não que eu pretenda ser cientista de dados, mas até programação eu fiz. Acho importante ter um letramento mínimo para ser capaz de traduzir as necessidades do negócio para o cientista de dados. Sinto que existe um gap muito grande — tem gente que entende de negócio, e tem gente que entende de dados. Poucos são capazes de construir a ponte entre estes dois mundos.


EC: O que você descobriu lá e para onde você acha que esses assuntos caminham? Em particular, análise de dados e inteligência artificial na logística.

AB: Primeiro, acho que, o entendimento do que é inteligência artificial é mistificado. As pessoas falam como se IA fosse uma “entidade”. Inteligência artificial é estatística pura, mas avançada. São modelos estatísticos super sofisticados. 

Você pode até pensar: “muitos desses algoritmos existem há tempos, por que só agora ‘a coisa’ está tomando corpo?”  A resposta: porque temos máquinas com capacidade de processamento. Muitos modelos não tinham hardware para processá-los em um tempo razoável. Alguns processamentos levavam dias – e possivelmente, quando se obtinha a resposta, aquela informação talvez já não valesse mais nada. Hoje, se faz a mesma coisa em segundos.

Além do hardware, temos a questão da disponibilidade de dados. Vou dar um exemplo: no passado, nós fazíamos importação e exportação com guia, tudo no papel. Mesmo que eu tivesse um algoritmo e quisesse processar todas aquelas informações que estavam lá sobre movimentações globais, como eu faria isso se estava tudo no papel, e não em uma nuvem, por exemplo? A digitalização trouxe mais dados disponíveis e o desenvolvimento da tecnologia dos processadores fez com que os algoritmos ficassem mais eficientes. Por isso, as coisas começam a virar realidade. 

Já quando falamos de Data Analytics, muitas vezes vejo pessoas olhando uma planilha do Excel e dizendo “estou tomando decisões baseadas em dados”. Mas não é isso. A capacidade humana de analisar dados é muito limitada. Por isso, no momento que eu trago a inteligência artificial para a mesa, essa capacidade é aumentada exponencialmente. 

Portanto, quando falamos de decisões baseadas em dados, no fundo estamos falando: “como eu trago mais modelos estatísticos para olhar os cenários, entender as probabilidades e fazer projeções que me ajudem a caminhar?”. Menos no gut feeling (intuição) e mais com base em dados, realmente. 

Isso faz com que a experiência das pessoas passe a contar menos. Quando a gente não tinha os modelos, você pegava uma pessoa muito junior, ela se deparava com uma determinada situação e não tinha referência passada para pensar “o que vai acontecer no futuro?”. Na prática, os modelos estatísticos “pegam” um monte de dados do passado – o  que já aconteceu e qual foi a consequência – e com base nisso, ele infere o que provavelmente vai acontecer no futuro. 

Como "seniorizar" as pessoas

EC: O senso comum intui que a inteligência artificial pode substituir a operação e acabar ocupando o lugar dos profissionais nível “junior”, mas o que você disse agora é o contrário.

AB: Acho que o grande dilema é como “seniorizar” a inteligência artificial. Para construir as coisas, é preciso do sênior, que conhece do negócio, junto com o profissional que conhece de estatística, que vai fazer o modelo.

Vamos imaginar que temos essas pessoas. Uma vez que o algoritmo esteja funcionando, você consegue tocar o dia a dia com profissionais menos experientes, deixando o sênior para tratar exceções. Porque os modelos não vão, em um primeiro momento, te dar todas as respostas. Neste caso o profissional menos experiente continua tendo o seu espaço garantido.

Na minha opinião, o grande desafio é como a gente pega essa pessoa júnior – que vai obtendo as respostas através de um modelo e não através de experiências vividas – e a senioriza. Como tornar experiente alguém que não viveu a experiência?


EC: Acho que nunca vi ninguém trazer essa dor que você está trazendo.

AB: Você está entendendo? A gente ainda está vivendo um curto prazo, temos pessoas seniores que estão ajudando a construir esse caminho. Daqui a uns anos, as pessoas mais novas que entrarem já estarão em um ambiente com muita inteligência artificial, fazendo as coisas. Como vamos seniorizar essas pessoas? Acho que esse é um problema que vai acontecer no futuro e precisamos pensar nisso agora.


EC: Como é essa preocupação para a logística?

AB: Na logística vamos ganhar muita flexibilidade, porque vamos conseguir analisar cenários de uma forma mais rápida e tomar decisões mais assertivas. A logística tem se tornado cada vez mais dinâmica. Vejo todo esse tema de inteligência artificial e Data Analytics ajudando muito no setor.

As coisas estão se tornando mais complexas a um ponto que a gente não conseguiria, sem isso, caminhar de maneira adequada. Os caminhos antigamente eram muito bem trilhados, porque os cenários eram bem conhecidos. Agora, os cenários são mais amplos e exigem flexibilidade.

Vejo muita inteligência artificial aplicada não só a essa parte de tomada de decisão, mas na linha de frente também, com algoritmos de roteirização, algoritmos que ajudam o robô a funcionar dentro do armazém, a flexibilizar mão de obra, ajudando o tomador de decisão, a ser capaz de transferir conhecimento de um lugar para o outro.

Acredito que vamos ganhar muita produtividade com ferramentas de inteligência artificial mas, no final das contas, quando estamos falando de operação, precisamos de pessoas que saibam lidar com pessoas e conheçam os detalhes do dia a dia. Acho que isso não vai ser perdido, ao contrário, só vamos aumentar a capacidade de fazermos as coisas de maneira eficiente. 


EC: Eu já fui em galpões em que vi ao mesmo tempo robôs e gente fechando envelope manualmente. As duas coisas!

AB: No Brasil, a mão de obra ainda é barata. Se você for na Europa ou nos EUA, provavelmente essa pessoa que fecha envelope já foi substituída por uma máquina, porque lá se paga. Ao longo do tempo, as tecnologias vão se barateando e passam a ser usadas por aqui também.

Vamos imaginar que, há uns anos tudo era feito à mão. À medida em que a tecnologia vai ficando viável financeiramente, essa mão de obra – que é praticamente não qualificada – passa a ser substituída por uma mão de obra que precisa ser muito mais qualificada, uma vez que ela precisa se relacionar com essa tecnologia na operação. 

Então, troca-se 50 pessoas por 20 robôs, que exigem a presença de um engenheiro mecatrônico que cuida deles. Ou seja, entendo que haverá uma sofisticação da mão de obra da logística na próxima década. Isso vai acontecer aos poucos, mas vejo que vai ter cada vez menos pessoas, e elas serão mais qualificadas. O que do ponto de vista social é algo a ser pensado, também, por que para onde vai toda essa gente, né?

Ana Blanco- Citação

“Sempre fiz questão de chegar de salto e sair de salto, mesmo que passasse o dia inteiro de sapato de segurança, porque essa sou eu, sou assim na minha vida”

Ana Blanco 
Vice-presidente da DHL Supply Chain Brasil e mentora da ImLog

Mulher na Logítica: ainda muito a percorrer

EC: Indo para as perguntas mais pessoais: como é ser mulher no setor de logística?

AB: Vejo bastante evolução. Hoje, a gente está muito na frente de como eram as coisas quando eu comecei. Ainda tem muito o que percorrer, mas também não podemos perder de vista o tanto que já caminhamos.

É um setor bastante masculino então, sendo mulher, você precisa entender bem o que é seu papel ali e o que é importante para você. Muitas vezes, para tentar se encaixar, a mulher acaba virando “praticamente um homem”, e esse nunca foi o meu caso. Por exemplo, eu sempre fiz questão de chegar de salto e sair de salto, mesmo que passasse o dia inteiro de sapato de segurança, porque essa sou eu, sou assim na minha vida.

Mas acho que a gente vai ganhando espaço à medida que mostramos competência. Essa é a trajetória de muitas mulheres que vejo em vários setores que são muito masculinos. Existe uma resistência inicial, mas as portas vão se abrindo conforme os resultados vão surgindo. O exemplo é muito importante para o empoderamento de outras mulheres. 

Quando uma coordenadora, uma supervisora olha para cima e não vê nenhuma mulher, é difícil para ela conseguir se enxergar nessa posição de liderança. O exemplo mostra que você pode chegar lá, que existem caminhos. Acho que precisamos trazer mais representatividade para que essas referências femininas aconteçam. Elas sempre foram importantes para mim durante a minha trajetória.


EC: Para quem você olhava?

AB: Olha, nenhuma mulher que hoje está em operação, mas eu via excelentes executivas. Infelizmente, não tinha muitas referências dentro do supply chain, então eu olhava para outros negócios, pensava “Puts, essa executiva é brilhante. Não deve ter sido um caminho fácil, mas um dia eu quero ser como ela”. Ter uma referência contou muito. 


EC: Como você cuida do corpo e da mente?

AB: Eu sou de ciclos, ano passado eu estava em um longo ciclo de pedalada, estava morando em Campinas. Mudei para São Paulo e a bicicleta ficou um pouco de lado. Mas eu tenho procurado fazer exercícios quase todos os dias, e isso faz muita diferença para mim. Quando eu não faço, no final percebo que foi um dia mais pesado. 

Sempre fui uma pessoa magra, sempre comi saudável, acho que ter hábitos alimentares saudáveis é super importante. E o sono, acredito muito no poder do sono. Eu durmo fácil e preciso dormir. Uma noite que durmo 5/6 horas não é o suficiente. Essas três coisas juntas para mim são segredos do sucesso: uma boa alimentação, exercício todo dia e o sono.


EC: Vocês têm filhos?

AB: Temos três, de relações anteriores, mas são todos crescidos. Um de 26, 25 e 19 anos. Agora estou em outro momento, mas durante minha carreira, tive filho pequeno durante muito tempo, claro.


EC: Teve algum momento que você teve que fazer escolhas, ou sempre conseguiu se virar nos 30?

AB: Todas as vezes que estava apertada eu pedia ajuda. Sempre trabalhei em empresas super abertas, que me ajudaram. Isso é uma outra coisa que eu falo: você precisa levantar a mão e pedir ajuda. Porque no final, as políticas internas das companhias nunca vão conseguir cobrir todas as suas necessidades. Então, se tem algo que não está sendo coberto, levanta e fala.

Posso te dar inúmeros exemplos. Tive caso de ter que fazer viagem de trabalho e ainda estava amamentando, então levei uma pessoa e meu bebê comigo, e a empresa entendeu. Até a agenda de reuniões mudou, para se adaptar aos horários de mamada.


EC: Você já era uma executiva importante quando teve seu primeiro?

AB: Não, eu tive minha primeira com 23 anos, com um ano de formada. Tive dois momentos, minhas filhas tem 7 anos de diferença.

A minha primeira, eu ainda estava bem no começo da carreira. E não foi um problema, o meu primeiro marido era mais velho, eu não tinha uma carreira consolidada ainda, mas ele tinha. E aí depois quando minha segunda nasceu, eu já era gerente, já tinha outro tipo de demanda e mesmo assim deu para conciliar bem.

Também tive o privilégio de trabalhar em empresas que sempre valorizaram o tema de Diversidade & Inclusão. Lembro que, em 2003, recebi uma proposta de promoção da Procter & Gamble (P&G) quando estava no final da gravidez, e a proposta era: quando você voltar de licença você assume isso. E eu disse que não, porque minha curva de aprendizado voltando da licença seria muito lenta. Preferi assumir a área antes, dar a direção e sair de licença, e a empresa topou. Fui a primeira pessoa lá que foi promovida grávida. Abri um caminho e depois de mim houveram muitas outras. 

Claro, tive todo um suporte, tanto de pessoas que trabalhavam para mim quanto da minha chefe na época, que cobriram esse período da licença. Nunca tive medo de levantar a mão e falar “isso não vai funcionar, preciso de outro tipo de ajuste”, e sempre fui muito bem recebida pelas empresas quando trazia estas demandas.


EC: É muito legal isso que você está trazendo, em diferentes etapas da sua vida.

AB: O paradigma é: você não precisa abrir mão daquilo que você quer. 

Você nunca pode colocar a mulher em uma situação onde ela precise escolher entre a vida pessoal e a profissional, porque a escolha já vai estar feita. Não conheço nenhuma mulher que não opte pelo lado pessoal, e se ela achar que está encurralada, vai pular fora. Então, como a gente cria um ambiente profissional em que ela perceba que existe uma forma de balancear os dois?


EC: Então não é negando que exista um problema, mas o que você controla está dentro de você e de não se colocar nesse canto?

AB: É, como gestores não podemos deixar a pessoa encurralada. A pergunta tem que ser: como posso te ajudar a fazer com que isso funcione para você? E as pessoas voltam com sugestões que, às vezes, não havíamos pensado, não raro são coisas simples de serem ajustadas, e que, para aquela pessoa, faz toda a diferença. Também é preciso ter consciência que em momentos diferentes as pessoas vão precisar de coisas diferentes. Quando eu tinha filhos pequenos, a minha necessidade era uma, agora que são crescidos, é outra.

O importante é você dar liberdade para as pessoas falarem daquilo que elas precisam e ajudar a pavimentar os caminhos dentro da organização para que aquela necessidade seja atendida.

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