Mãos e cérebro dedicados: surdos que atuam no Mercado Livre contam como vencem os desafios no setor de logística
Com diversas funções dentro da cadeia logística, colaboradores surdos do Meli relatam a satisfação de pertencerem a uma empresa que apoia e inclui.
Eduardo Cosomano
Larissa Velasco
Não querendo parecer invasivo, mas já sendo, gostaria de começar este texto propondo um desafio: relembre a sua rotina de hoje, começando pelo momento de acordar. Seu smartphone tocou uma música escolhida para isso, acertei? Em seguida você foi fazer o seu café da manhã, ouvindo as notícias na TV para se manter atualizado, tomou um banho e se preparou para iniciar mais um dia.
Se trabalha presencialmente, muito provavelmente, fez o trajeto até o escritório ouvindo playlists ou podcasts (seja nos fones de ouvido ou no rádio do carro). Depois, pode ter participado de calls, escutado áudios no whatsapp, atendido ligações… e olha que, em todo este processo, nem citei os inúmeros bips e alarmes que todos os aparelhos eletrônicos emitem, além das buzinas, sirenes, etc.
Consegue perceber o quanto usamos, ou melhor, vivenciamos, somente neste pequeno trecho diário, os verbos “ouvir”, “tocar”, “escutar”? E se, agora, eu propusesse a você que tentasse reproduzir tudo isso como uma pessoa surda? Quase posso apostar que você não saberia, nem mesmo, como ser acordado na hora certa…
Neste exercício, é possível ter uma amostra de como vivem os 10,7 milhões de brasileiros que possuem alguma deficiência auditiva, segundo dados do Instituto Locomotiva e da Semana da Acessibilidade de 2019. O estudo também traz informações sobre como a falta de acolhimento e inclusão limitam o acesso das pessoas surdas às oportunidades básicas, como:
Educação
- 7% têm ensino superior completo
- 15% frequentaram até o ensino médio
- 46% até o ensino fundamental
- 32% não possuem grau de instrução
Trabalho
- 37% de pessoas surdas possuem emprego
- 58% de ouvintes possuem empregos
No Meli eles são ouvidos
Quando ultrapassam as barreiras relacionadas à educação e à colocação no mercado de trabalho, as pessoas surdas chegam em empresas que, muitas vezes, não estão preparadas para recebê-los – e somente as colocaram em determinada vaga para cumprir a Lei de Cotas.
“Já trabalhei em lugares onde sofri muito. Empresas sem interesse algum em aprender sobre o mundo dos surdos, sem intérpretes. Fica bem difícil trabalhar assim”, conta Maurício Silva, colaborador da área de outbound – packing e shipping – do Mercado Livre (Meli), pertencente à primeira turma de surdos do centro de distribuição da empresa na Bahia.
No Meli, porém, a história de Maurício é bem diferente. “Estou há quase 2 anos aqui e gosto muito. Me desenvolvo em todas as áreas que já passei e percebo um respeito mútuo. Existe, de verdade, a integração de todo tipo de pessoa com deficiência, sejam os surdos, sejam os cadeirantes, todos. Além, claro, da presença de intérprete, que é essencial. Não tenho nem palavras para descrever, é uma oportunidade incrível trabalhar no Mercado Livre”, emociona-se.
Waldirene Comparsi Fioravanti também é colaboradora do Meli, mas fica alocada no Sul do Brasil, na área de transportes. Recém-formada em advocacia, ela é uma das brigadistas de incêndio de sua unidade e ressalta como isso é uma conquista para uma pessoa surda.
“Simplesmente me inscrevi no curso de brigadista, mesmo sabendo que não teria intérprete. Me deu vontade e eu fui. Chegando lá, na primeira aula, dei muita sorte: o instrutor só de me olhar já percebeu que eu era surda e começou a usar a língua de sinais. Nem acreditei, fiquei muito emocionada! E foi ótimo: aprendi demais, na teoria e na prática, desde mexer com um extintor de incêndio até realizar primeiros socorros”.
E completa. “O surdo é, sim, capaz de aprender e se desenvolver em qualquer função. Todo mundo no CD ficou pensando como eu consegui me tornar uma brigadista, mas eu sou. Somos capazes de fazer qualquer coisa”.
Língua de sinais x Português: a maior dificuldade
É claro que nem tudo são flores. “Você sabia que Português é uma língua diferente de Libras, que a estrutura é diferente?”, questiona Waldirene. “Então a comunicação com os ouvintes, com aqueles que não sabem a língua de sinais é difícil, sim. Eu entendo o português, conheço as palavras, mas existem particularidades que dificultam o entendimento”, explica Maurício.
É nesta hora que a presença de um intérprete ajuda, e muito. No CD na Bahia do Mercado Livre existe um intérprete todos os dias. “A Pamella (intérprete) é ótima, nos ajuda muito. Quando ela não está, uso outras estratégias: adapto algumas ações, escrevo algumas palavras, tento me comunicar e me fazer entender”, conta Maurício.
Além da presença de Pamella, as lideranças desta unidade do Meli – assim como colaboradores-chave, como médicos do trabalho e segurança – fizeram um curso básico de Libras, de 40 horas de duração, quando a primeira turma de surdos foi contratada, há dois anos.
O mesmo curso também será disponibilizado para o CD da empresa no Sul do país, ainda no primeiro semestre de 2023.
“O surdo é capaz de aprender e se desenvolver em qualquer função. Todo mundo no CD ficou pensando como consegui me tornar uma brigadista, mas eu sou”
Waldirene Comparsi Fioravanti
Colaboradora do Mercado Livre
É perigoso ser surdo na logística?
Indo além do que a Libras e os intérpretes podem ajudar, é normal para nós, ouvintes, questionarmos os perigos que existem para os surdos em algumas funções da logística. Mas a resposta para a pergunta do subtítulo é simples para eles. “Não é perigoso. Nós somos muito visuais, aprendemos a observar, conseguimos entender o perigo. O surdo é capaz de conduzir uma empilhadeira, por exemplo, assim como é capaz de conduzir motos e carros”, exemplifica Maurício. “Me diz: acidentes acontecem mais com surdos ou ouvintes? Na rua mesmo?”, questiona.
“Eu uso aparelho, tenho um pouco da audição e sou habilitado, conduzo nas ruas e não enfrento problemas no trabalho também. Já operei máquinas em trabalho anteriores e todo mundo ficava surpreso em perceber o que conseguia fazer”, completa Paulo Ricardo Andrade, amigo de Maurício e pertencente à segunda turma de surdos do CD da Bahia.
“Surdos são mais sensíveis, aprendem a desenvolver os outros sentidos. Tanto na logística quanto em qualquer outro lugar, basta querer fazer algo, sendo surdo ou ouvinte, para conseguir fazer, sem medo. A única coisa que não está 100% com a gente é a audição. O cérebro e as mãos, sim”, ressalta Waldirene.
Quando inseridos em um ambiente de trabalho que apoia a diversidade, as pessoas surdas podem ser essenciais para o desenvolvimento de novas ações de integração, que facilitem tanto o próprio trabalho, quanto o trabalho dos ouvintes, resultando em ganho para toda a empresa.
“Eu quero muito ajudar a empresa a se desenvolver mais, trazer mais surdos e outras pessoas com deficiência para o Meli. Sonho com isso e já pensei em melhorar a comunicação por aqui imprimindo classificadores com sinais, em Libras, para quem deseja aprender”, exalta Waldirene.
“É um desejo mínimo, que começa plantando uma sementinha, despertando o interesse”, finaliza.
Ser surdo no Mercado Livre
“Gosto muito de trabalhar aqui, é uma energia muito boa. Não consigo ver nada que eu não goste, me tornei até brigadista!”
Waldirene Comparsi Fioravanti
“Eu fico até emocionado de falar sobre o Mercado Livre (chorando). Gosto muito, mesmo.”
Paulo Ricardo Andrade
“O Mercado Livre realmente acredita na gente, com estratégias e ações reais. O Meli é a melhor empresa para se trabalhar!”
Maurício Silva
Faça parte da próxima turma
Hotel Grand Mercure, São Paulo – Vila Olímpia
06 e 07 de maio – das 08 as 20h*
*horários sujeiros a mudanças