Convencer o varejo de que frete grátis é ponto-chave para tomada de decisão da compra é uma tarefa relativamente simples, pois sobram dados que comprovam a tese. De acordo com a pesquisa E-commerce Trends 2023, realizada pela Opinion Box em parceria com a Octabox entre outubro e novembro de 2022, 79% dos consumidores brasileiros afirmam que o frete grátis é o fator que mais pesa na hora de escolher uma loja ao invés de outra em compras pela internet. E mais: 66% daqueles que abandonam o carrinho de compras em um e-commerce não concluem a transação devido ao preço do frete, de acordo com o material Abandono de Carrinho 2022, também da Opinion Box.
Outro levantamento da mesma empresa de pesquisa, também de 2022 e em parceria com a Dito, afirma que 73% de quem compra on-line considera o valor do frete o fator mais decisivo para desistir de uma compra do que os próprios preços altos, com 68%. Já nos Estados Unidos, segundo o Baymard Institute em seu relatório Estatísticas de Abandono de Carrinho, 55% dos consumidores digitais deixam de finalizar a etapa final de compra devido ao frete caro.
Pacificada a ideia de frete grátis como fator competitivo, passamos para a próxima pergunta: de onde sai o dinheiro para realizar a entrega? Conversamos com uma série de especialistas da logística nacional, que detalharam como a prática se banca. O consenso geral é que não existe almoço grátis, portanto, quem paga o frete é o consumidor e ponto final. Mas isso não significa que, quando o cliente compra com frete grátis, ele está sendo enganado. Na verdade, existem algumas formas de viabilizar custo zero para a ponta do consumidor e diluir esses valores na operação.
Tudo depende de uma conta bem feita e de uma estratégia clara, inteligência de mercado e análise de dados.
Leandro Bassoi
Chefe de Operações MadeiraMadeira
Não é custo, é estratégia
“Quando somos estratégicos e usamos os dados a nosso favor, como empresa, podemos escolher a melhor forma de agir. Um exemplo: podemos incentivar a compra de uma categoria/linha de produtos proporcionando o frete grátis, de forma consciente, e equilibrar esse custo cobrando a entrega onde podemos agir com uma postura mais austera. Mas tudo depende de uma conta bem feita e de uma estratégia clara, inteligência de mercado e análise de dados”, explica Leandro Bassoi, COO da MadeiraMadeira.
Para Luiz Augusto Vergueiro, Cofundador da ImLog e Diretor de Operações do Mercado Livre, a problemática do frete grátis é a densidade com escala. “Por exemplo, uma empresa de entrega de bebidas, tem um bar do lado do outro, a empresa enche um caminhão inteiro todos os dias para entregar nesse bar. É a melhor condição nessa região, vai rapidamente esvaziar o produto, frete grátis pode ser viável aqui. Agora, numa empresa de e-commerce, que faz uma entrega num bairro, outra entrega em outro bairro, tem poucas entregas. A conta dela já é mais difícil. Talvez agregando outros transportadores, mas é complexo”, diz.
Outra perspectiva apontada por Vergueiro é no caso de a empresa simplesmente bancar o frete grátis. “Imagine uma empresa que queira entrar ou acelerar o processo de avanço no e-commerce, considerando que o frete é um fator decisório na conversão. Neste caso, ela subsidia, mesmo que a operação sozinha por si só seja negativa, até o negócio engrenar”.
Até por fatores psicológicos, alguns varejistas estão entendendo que ofertar a entrega sem custo muitas vezes multiplica a conversão de vendas, e aí a empresa passa a vender duas, três, seis vezes mais
Patrick Rocha
Co-founder ImLog
Patrick Rocha, fundador do ImLog, pontua ainda que o frete zerado pode exponencializar as vendas. “Tendo em vista a preferência do consumidor por aquisições com frete grátis, até por fatores psicológicos, alguns varejistas estão entendendo que ofertar a entrega sem custo muitas vezes multiplica a conversão de vendas, e aí a empresa passa a vender duas, três, seis vezes mais. Aí a conta fecha. Mas precisa de muita análise de dados por trás”, detalha.
Guilherme Juliani, CEO do Grupo MOVE 3, também acredita que frete grátis só é viável com estratégia. “Os bons varejistas, como a Amazon, por exemplo, sabem precisamente quais produtos e quais ticket médios de compra valem e assumir o custo do frete para o consumidor”, relata. No caso da empresa de Jeff Bezos, há outro diferencial: a gigante sabe exatamente como não pagar a conta do frete grátis, como é exemplificado na a matéria Does ‘Free’ Shipping Really Save You Money? Probably Not publicada no site The Ascent em janeiro deste ano.
“A Amazon oferece frete grátis para pedidos de U$ 25 ou mais. Mas e se você quiser comprar apenas um item de U$ 10? Nesse caso, você pode simplesmente decidir gastar U$ 15 extras para obter frete grátis. Claro, é fácil conseguir frete grátis na Amazon obtendo uma assinatura Prime. Mas isso vem com um preço de U$ 139 por ano. Portanto, embora permita que você obtenha frete grátis para um item de U$ 4, você está pagando por esse privilégio por meio do custo anual”, afirma um trecho do artigo.
Diante a opinião de todos os especialistas e a análise do caso da Amazon, fica claro que o frete grátis só é bom negócio com uma estratégia de análise de dados muito forte. “Ele (o frete grátis) não é um vilão e pode, sim, ser aplicado para qualquer empresa, de qualquer porte e qualquer segmento, desde que ela consiga fazer com que a conta feche. Aí é um ótimo negócio. Quando isso não acontece pode ter certeza que o problema não é exatamente entrega sem custo, e sim uma decisão estrategicamente errada”, finaliza Bassoi.