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Perfil completo de Rodrigo Calderaro, founder da ML Mentor Logistics e mentor da ImLog

Rodrigo Calderaro diz ter vivido três guerras no setor: Mercado Livre, Amazon e Shopee. Antes da logística, foi atleta de futebol amador. “Tive a oportunidade de conviver no São Paulo FC com nomes como Juninho Paulista, Caio Ribeiro e Rogério Ceni. Participei de torneios juvenis na Europa, Escandinávia, joguei na época um dos maiores torneios juvenis lá.

Em meio à pandemia, Calderaro quase morreu. “Eu estava em um momento muito bom de carreira, com extremo orgulho do que estávamos fazendo no Meli, e nesse momento específico eu fui surpreendido pelo Covid, não tinha vacina e o virus quase me derrotou, bloqueado de seguir em frente. Essa é minha leitura. E por quê? Porque a gente precisa valorizar alguns detalhes cruciais para a nossa sobrevivência. Eu deixei de acompanhar muito o crescimento dos meus filhos, por exemplo”.

Na Shopee, aprendeu um novo jeito de lidar com os desafios. “Eu aprendi que na logística, 80% é o relacionamento e o convívio com pessoas. Se eu sou um cara explosivo, eu perco os 80%. Os outros 20% são dados”.

Na conversa abaixo, falamos sobre vida pessoal, carreira e perspectivas para o setor. Confira!

EC: Da última vez que conversamos, você disse “no meu trabalho, eu preciso falar não sem falar não”. Como você faz isso?

RC: Eu aprendi algumas coisas nas empresas que passei sobre princípios de liderança. Por exemplo, na Amazon tem um muito interessante, que é o Disagree and Commit, que é isso, você não concorda mas está comprometido com a execução. E isso muitas vezes tem que ser levado em consideração, porque você pode não estar enxergando aquele ponto de vista, por ser tão granulado, mas talvez seja no granulado e no detalhe que esteja a causa-raiz do problema.

Então o Disagree and Commit é inerente no dia a dia. Tem inúmeros exemplos, alguns que dão certo e outros que você tem que “descer quadrado”, como diz um amigo meu, e não descer redondo.

EC: Consegue dar alguns desses exemplos?

RC: Desenhar uma estratégia extremamente agressiva que não faz sentido, mas que por uma imposição você tenha que executar.

Vou dar um exemplo concreto. Uma operação de 700 mil pacotes/dia, de giro, você executar sem automação, na minha visão, é um grande erro. É possível, sim, mas é caro e custa muito para a experiência. Então para mim é um Disagree and Commit.

Outro exemplo muito claro: você criar uma empresa de logística enorme sem saber operar e ter que operar, ao invés de colocar um provedor logístico para rodar e depois fazer a transferência.

Você entender o trade off entre uma boa experiência e um custo muito baixo, o que isso te gera em termos de impacto? A não fidelização da próxima compra. Então, ao invés de ter uma entrega rápida você tem uma entrega de sete dias com risco de ainda atrasar. Isso é o foco totalmente em custo muito baixo que causa uma experiência ruim. Isso é outro Disagree and Commit.

Trade off entre capacidade e bloqueio de motorista por perdas na operação, isso acontece muito, que é quando você tem um algoritmo muito calibrado dizendo “bloqueia, bloqueia”. Mas, amanhã, você deixou de ter X motoristas por causa do bloqueio. E aí, qual o impacto na experiência?

Então, entendo que as decisões precisam ser discutidas e os pontos de vista tem que ser colocados na mesa, para aí tomar uma decisão. E não somente atacar um lado sem olhar o outro. A sobrevivência está na geração da boa experiência, a fidelização também. Eu venho de uma escola que a experiência é tudo. E muitas vezes a gente deixa isso de lado para olhar outros indicadores mais agressivos.


EC: E o que você aprendeu com isso? Teve coisas que te surpreenderam positivamente?

RC: Totalmente. O que eu aprendi é que a gente precisa enxergar os detalhes. Se você verificar o livro que a gente entrega para anotações na ImLog, está escrito lá: “As grandes ideias surgem de pequenos detalhes”. Não só as grandes ideias, mas a identificação de problemas também.

Os pequenos detalhes, que na nossa visão é olhar a formiga e não o elefante. É muito importante e te leva para um patamar superior mais rápido. É através dos detalhes que  realmente se entende a realidade.

Coronavírus: por um fio

EC: Queria fazer uma passagem para algo pessoal. Você contou que teve Covid e foi um pouco grave. Como foi passar por isso?

RC: Foi um divisor de águas na minha vida, de certa forma. Foi difícil estar em um momento em que quase perdi a vida de um dia para o outro. O Covid te leva a isso, você vai vendo o seu corpo perdendo as defesas. Vai perdendo glóbulos brancos, os soldadinhos que combatem o problema. É igual na operação, quanto menos aliados, mais fracos nos tornamos e a defesa da nossa estratégia vai embora.

Eu estava em um momento muito bom de carreira, com extremo orgulho do que estávamos fazendo, e nesse momento específico eu fui surpreendido, bloqueado de seguir em frente. Essa é minha leitura. E por quê? Porque a gente precisa valorizar alguns detalhes cruciais para a nossa sobrevivência.

E o que são eles? A nossa família, a nossa força. Não só estar nos extremos e se dedicar ao extremo, na sua carreira, no seu propósito, mas, ao mesmo tempo, o outro lado que é muito importante. E literalmente foi o caso. 

Eu deixei de acompanhar muito o crescimento dos meus filhos, por exemplo. Deixei de dar suporte na minha casa da maneira correta. Me dediquei muito ao trabalho para chegar no patamar que eu conquistei. Fui importante para a família sem dúvidas, mas eu nunca conheci os detalhes dos meus filhos, os detalhes do convívio com eles. E o quanto isso prejudicou a formação deles?

Resumindo: foi um momento muito difícil de vida, um momento de reflexão, de entender porque eu estava lá passando por aquilo. E aí vem a reflexão: vou ser diferente, vou balancear meu workload, vou pensar mais em mim, ter uma vida tranquila.

Que ao mesmo tempo não é uma verdade, porque no ambiente que a gente vive de operação, estamos muito conectados o tempo todo. Mas eu entendo que o recado foi dado, e talvez não tenha uma outra oportunidade. E eu venho aprendendo a ser diferente.

Os momentos que eu tenho, que são poucos ainda, de convívio, eu me dedico ao extremo do outro lado. Acho que isso me ajudou bastante. E outro ponto muito importante nessa situação: dar valor ao que importa. E o que importa, o que pesa na vida e realmente faz sentido? São bens materiais, reconhecimentos, ou é um bom convívio, ser um cara querido, ter um bom relacionamento, ajudar as pessoas a evoluírem? Acredito que, nesse sentido, o recado foi dado para mim, não só no lado profissional, mas muito mais no lado pessoal.


EC: Espiritual, de certa forma?

RC: Espiritual, sim. Totalmente. De você chegar a uma outra dimensão e entender que, cara, pedir para não ser o momento. Falta uma outra etapa para ser concluída. Profissionalmente, a minha parte espiritual foi a asiática agora, sem dúvida.

“O que pesa na vida e realmente faz sentido? São bens materiais, reconhecimentos, ou é um bom convívio, ser um cara querido,  ajudar as pessoas a evoluírem?” 

Calmaria e cavalos

EC: Você é um cara muito calmo. Você já era assim?

RC: Eu aprendi que na logística, 80% é o relacionamento e o convívio com pessoas. Se eu sou um cara explosivo, eu perco os 80%. Os outros 20% são dados. Com base nisso, eu entendo que se eu for um cara totalmente diferente, impositivo, sem ouvir ninguém, jamais terei um time próximo e não vou evoluir.

Aprendi também muito no Mercado Livre que a gente precisa abordar o que o mercado chama de metodologia Decision Making: delegar 90%, decidir 10%. E com isso, você tem que ter o time na mão, tem que fazer acontecer, construir a confiança para que isso seja possível. Então, eu sou um cara calmo, mas extremamente dedicado.

Mas não fui sempre, eu me tornei um cara calmo. Consegui controlar meu nervosismo e minha impaciência após esse episódio todo, e entendi que o diferencial, pelo menos no mercado que eu atuo, é o convívio com as pessoas, elas tem que se sentir bem. 

O Mercado Livre me ensinou tudo isso, como construir um bom ambiente. Eu saí de uma avaliação de 45 pontos para 100% no “Engagement Survey”, e no retorno das pessoas dizendo que eu consegui criar um bom ambiente e queriam estar do meu lado. Foi realmente modificando o mindset, a forma de pensar e conduzir. Me senti muito mais preparado e me sinto hoje muito mais querido.


EC: Você tem alguma válvula de escape, o que você faz?

RC: Tirando filhos, família, eu aprendi que preciso ter um espaço pra mim. Eu adoro cavalo, tenho quatro animais, já cheguei a ser fazendeiro com 120 cabeças. Gosto do desafio, e como digo para o pessoal dos cavalos: eu quero ter um time de excelência nas exposições, na criação dos animais.

Para mim também é um segundo desafio, que me traz um prazer incrível. Eu curo gastrite na minha caminhada à cavalo, cara. Recomendo para todo mundo. Vou a Atibaia, ando à cavalo com meu pai, percorrendo estradinhas com paisagens incríveis.

Futebol: um sonho

EC: Você contou que você quase foi jogador profissional de futebol, como foi isso?

RC: Meu sonho era ser atleta, de alguma forma. Realmente gosto muito de esporte. Tentei ser jogador, cheguei a jogar no São Paulo FC, tive a oportunidade de jogar com Juninho Paulista, Caio Ribeiro – que hoje é o comentarista da Globo, Rogério Ceni. Tinha um centroavante chamado Eliel também, que era titular. 

Depois, eu fui para a Europa por outros times: Rio Branco de Americana, Pinheiros, aqui de São Paulo, fui pra Suécia, para Finlândia, Dinamarca. Fui explorar o futebol da Escandinávia, impressionante, onde o Garrincha fez história. Joguei o maior torneio juvenil lá, Brasil e contra o Rosário Central da Argentina. 

Encontramos o time da Argentina no mesmo estádio em que o Brasil foi campeão em 1958, pela primeira vez. Imagina a emoção. Infelizmente, eu fui expulso do jogo e a gente acabou perdendo… teve um contra ataque intenso da Argentina, eles iam fazer o gol, e o técnico falou “ou você quebra ou a gente toma o gol”, e aí dei realmente uma entrada meio violenta para barrar o contra ataque. Lembrando que a família da minha mãe por parte do pai dela é argentina também, e minha conexão com o MeLi vem de lá também.


EC: E por que você parou?

RC: Eu machuquei o joelho, quebrei os dois tornozelos. E hoje a história é diferente, porque minha esposa era meia-esquerda do Corinthians, jogava muito também, e meu filho nasceu e é um cara que acho que vai seguir em frente. Ele joga hoje no Audax aqui de Osasco, e na escola de Cotia lá do São Paulo. Ele adora, se dedica muito, moleque extremamente esforçado. Tem 13 anos.


EC: Como você saiu de jogador para logística, o que aconteceu?

RC: Minha família teve negócios por 42 anos com a Brahma, na época antes da Ambev. Meu pai tinha uma distribuidora na zona Sul de São Paulo e outra na zona leste.

Cara, meu primeiro brinquedo foi um caminhãozinho. Eu entrava nos armazéns, adorava ver os caminhões enfileirados, carregados, o cara no pátio com a caneta atrás da orelha conferindo as cargas… aquilo fazia parte do meu sangue.

Sempre fui um cara que gostei de transformar. Meu primeiro trabalho foi com 14 anos na fazenda do meu avô, e eu queria levar aquilo para um patamar diferente, em termos de criação de cavalos. Criar minha marca, um diferencial. E eu fui desenhando projetos de como fazer, mudando a genética, mudando a alimentação. Desde lá vem esse viés de transformação, treinar para acontecer, disciplina, etc. 

Entendo que vim parar na logística dessa forma. Mas como eu me consolidei lá? Quando meu pai fechou as distribuidoras, sobrou os ativos, que eram os caminhões. E ele falou “cara, abri uma transportadora no seu nome, você vai ter que vir tocar porque eu recebi um convite da cervejaria Petrópolis para trabalhar como diretor no sul”. Eu falei ” nem sei o que é isso”. Mas, logo depois, pensei: se eu aprendesse a tocar, eu iria saber um pouco de cada área.

Aí toquei a transportadora por dois anos, atendendo as distribuidoras da Brahma, e eu fui gestor comercial, administrativo e financeiro, e operacional. Só não fui RH. E me ajudou muito.

História obscena e engraçada

EC: Tem um meme que rola sobre “achadinhos da Shopee”. Você tem algum produto curioso assim?

RC: Pode contar uma história obscena e engraçada? Uma vez um veículo foi roubado e saiu só com carga da Shopee, o ticket médio é baixo. Isso quer dizer que, numa Fiorino, a gente coloca no máximo 120 pacotes. 

E aí os caras encostaram o veículo, anunciaram o assalto, e o ladrão perguntou ao motorista: “de que empresa você é?” , que respondeu “é da Shopee”. Aí o ladrão, respondeu: “não era o carro que eu queria, pois estava atrás de eletrônicos de alto valor, mas deixa eu ver o que você tem”. E começou a vasculhar, roubou algumas coisas, e sobrou um vibrador. O cara falou “vou só deixar esse aqui que é um presente pra você, se divirta“. 

Hoje a gente dá risada, mas ainda bem que não aconteceu nada com o motorista!


EC: Pra fechar, para onde você acha que tá indo a logística?

RC: Eu não tenho dúvidas que o modelo data-driven é o modelo ideal. A partir do momento que começamos a operar dessa forma, seja na minha época de Meli ou Shopee, a gente saiu de um patamar reativo para um patamar preventivo. Eu consigo prever problemas até a entrega. Isso me dá oportunidade de reverter cenários negativos.

Mas tem mais pontos importantes. Primeiro: capacidade operativa. Achar o modelo ideal de distribuição. O que é isso? É percentual de frota própria, percentual de frota alugada, percentual de transportadora, percentual de motoristas contratados diretamente. Porque não tem carro, não tem capacidade. Os marketplaces estão crescendo muito e a penetração do e-commerce versus varejo é cada vez maior.

O e-commerce brasileiro tinha, em 2021, 11.6% de share, a China está com 51% de penetração e crescendo em relação a lojas físicas. Então, capacidade é algo que ninguém pensa em investir ou propor, e aí a gente tem que se reinventar a todo tempo. Eu diria que é o calcanhar de Aquiles hoje, e quem achar a equação ideal ganha o jogo.

E, por fim, ter um bom ambiente. Como é que você consegue calibrar nesse ambiente pesado, de processamento, e ser bom? No mínimo, as empresas têm que pensar numa boa condição de trabalho, numa remuneração com incentivos para o trabalhador. Sem isso a coisa não muda de nível. Atinge certo patamar, mas depois vira algo preocupante.

Resolver a equação para ter capacidade e foco em incentivos para mão de obra. Gerar um bom ambiente significa ter harmonia, ter um bom refeitório, ter proximidade com os liderados para que tenham orgulho e sintam-se parte da empresa.

Alguns já acharam essa equação, como o Meli, e viram que o foco é investir no ambiente e na felicidade do colaborador.

EC: Algo a acrescentar?

RC: Acho que essas três guerras aí que eu participei — Amazon, MeLi e Shopee — me trazem muita bagagem, tem muito conteúdo para compartilhar com empresas de qualquer porte. E eu pretendo partilhar isso em outros segmentos.

Acredito que o Brasil é o país do agro, como a gente consegue ajudar também esse segmento a ser digital, a pensar num modelo de transformação rápida, eficaz e não só de execução, né?

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